Uma senhorinha subindo com muito
esforço o ônibus. O motorista nem tem paciência para esperar que ela, pelo
menos, segure em algum lugar e não caia. Sai apressadamente com o seu motor
barulhento e fedorento pelos asfaltos da zona oeste. O significado disso são
grandes sacolejos e a velhinha caindo em cima de todos, praguejando agouros
eternos para o motorista e sua família e seus ancestrais. O retorno é imediato.
Travou-se uma batalha linguística na arte rebuscada de xingar e ofender
parentes, sejam eles vivos ou mortos.
O momento verbalmente eletrizante já
havia cessado e os passageiros travavam suas conversas habituais sobre
banalidades. Reality Show, novela, programação de domingo, jornal de 50
centavos (aquele que tem mais figura que texto, sabe?); tudo essencial para uma
conversa de ônibus/trem.
A
velhinha... quer dizer, senhorinha faz sinal para descer. Desce e nem agradece.
Na calçada ainda dá um olhada feia para o motorista como se aquele olhar jurasse
vingança pelas sete gerações ofendidas: as que já se foram e aquelas que ainda
viriam.
A vida de cada um deles seguiu seu
rumo e as memórias seletivas apagaram um da cabeça do outro. O motorista fez
mais 7 viagens de cá pra lá e de lá pra cá. Não via a hora de voltar pra casa,
tomar um banho e conhecer a família da namorada. A vel... senhorinha ficou até
tarde na fila do banco, voltou pra casa e fez a janta.
Vinte horas. Din-Dong. “É ele, mãe! É
ele! Por favor, não me façam pagar mico, não me constranjam, não falem da minha
bagunça no quarto, não falem de casamento, não perguntem muita coisa! Ai, meu
Deus!”. Deu a última olhada no espelho e foi receber o namorado.
Depois dos cumprimentos amorosos
cheios de nhênhênhê de um casal recém-formado no portão, eles entram na casa. “Boa noite, boa noite” foram os
primeiros dizeres, mas eles foram congelados dos dois lados. Na direita estava
o motorista sem uniforme, na esquerda a ve... desculpe, a senhorinha. Houve uns
cinco segundos de silêncio, mas eles foram quebrados pelo sorriso da senhorinha
(ah! agora acertei!) que foi logo o abraçando e sem que ninguém ouvisse, a não
ser o motorista, disse “xingou minha família hoje cedo, não é? Espero que você
ande na linha agora, porque se não... eu tenho tudo gravado no meu celular e vou adorar ganhar uma indenização”.
E
assim, a velhinha ganhou do motorista pela tecnologia. Logo uma velhinha!
Ninguém merece!
Não! Velhinha não! Senhorinha! Senhorinha! Senhorinhaaaaa!
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