terça-feira, 8 de maio de 2012

O Motorista e a Velhinha

Tentando mais uma vez. Eu disse que era um exercício.



O motorista e a Senhorinha

Uma velhinha... não, não, não. Velhinha não. Senhorinha. Uma senhorinha subindo com muito esforço o ônibus. O motorista nem tem paciência para esperar que ela, pelo menos, segure em algum lugar e não caia. Sai apressadamente com o seu motor barulhento e fedorento pelos asfaltos da zona oeste. O significado disso são grandes sacolejos e a velhinha, quer dizer, senhorinha caindo em cima de todos, praguejando agouros eternos para o motorista, sua família e seus ancestrais. O retorno é imediato. Travou-se uma batalha linguística na arte rebuscada de xingar e ofender parentes, sejam eles vivos ou mortos. Nem as mães acabaram.
O momento verbalmente eletrizante já havia cessado e os passageiros travavam suas conversas habituais sobre banalidades. Reality Shows, novelas, programação de domingo, jornal de 50 centavos (aquele que tem mais figura que texto, sabe?); tudo essencial para uma conversa de ônibus/trem.
A velhinha... quer dizer, senhorinha faz sinal para descer. Desce e nem agradece. Na calçada ainda dá uma olhada feia para o motorista como se aquele olhar jurasse vingança pelas sete gerações ofendidas: as que já se foram e aquelas que ainda viriam.
A vida de cada um deles seguiu seu rumo e as memórias seletivas apagaram um da cabeça do outro. O motorista fez mais 7 viagens de cá pra lá e de lá pra cá. Não via a hora de voltar pra casa, tomar um banho e conhecer a família da namorada. A vel... senhorinha ficou até tarde na fila do banco, voltou pra casa e fez a janta.
Vinte horas. Din-Dong. “É ele, mãe! É ele! Por favor, não me façam pagar mico, não me constranjam, não falem da minha bagunça no quarto, não falem de casamento, não perguntem muita coisa! Ai, meu Deus!”. Deu a última olhada no espelho e foi receber o namorado.
Depois dos cumprimentos amorosos cheios de nhênhênhê de um casal recém-formado, eles entraram. “Boa noite, boa noite” foram os primeiros dizeres, mas eles foram congelados. De um lado direito estava o motorista sem uniforme, do esquerdo a velhi... desculpe ,desculpe, a senhorinha. Cinco segundos de silêncio. Daqueles que você quase consegue ouvir o batimento do coração da pessoa ao seu lado. O sorriso da senhorinha (ah! agora acertei!) quebrou aquele silêncio enquanto ela ia na direção do rapaz. Ele não sabia se fugia, gritava ou chorava, mas o medo havia paralisado suas pernas; querendo ou não, ficou no mesmo lugar.
A senhorinha (e não velhinha, viu?) o abraçou bem apertado e sem que ninguém escutasse disse em seu ouvido “Trate bem minha neta. Ninguém aqui de casa gostaria de saber que você disse palavras tão indelicadas para mim no ônibus não é?”. Com o pavor estampado nos olhos, ele engoliu a seco o medo que estava sentindo e foi sendo guiado para a cozinha da casa.  Chegando a mesa da cozinha, todos jantaram. Ele, em silêncio, mostrando sorrisos para todos, mas que na verdade eram uma farsa, pois o que estava sentindo mesmo, era um medo terrível daquela velhinha. Perdão, senhorinha.
“Ah, meu rapaz, deixa eu mostrar uma foto da minha neta” e passa o celular para ele. Mas o que ele encontrou foi o início da gravação do acontecimento entre eles no ônibus. A ameaça está aí, gravada, documentada. Teria que andar na linha e agradar a todos... se não... era melhor nem pensar.
E assim, a senhorinha ganhou do motorista. Logo uma velhinha! Ninguém merece! Não! Velhinha não! Senhorinha! Senhorinha! Senhorinhaaaaaa!

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